sexta-feira, 3 de julho de 2015

(Parênteses literários VI: José Régio)

(imagem daqui)
 
Demónios!, meus demónios familiares
Do cotidiano horror de andar vivendo
No sonho de transpor ares e mares,
Tendo o pé preso onde o conservo tendo!,
E vós, ó aberrações, monstros, esgares,
Que no meu próprio sangue espio ardendo,
Que me são, me serão vossas algemas,
Se Deus me abriu libertações supremas?

José Régio. Sarça Ardente, 17, in: As Encruzilhadas de Deus (1936). Lisboa: Portugália [1957?], 3ª ed., p. 202.

(via Manoel de Oliveira)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Conquista do Oeste (How the West Was Won, Henry Hathaway, John Ford, George Marshall & Richard Thorpe, Estados Unidos, 1962)

Estruturado em torno de 5 episódios a cargo de diversos diretores, este filme sofre daquilo que sofrem quase todos os filmes estruturados em episódios rodados por autores distintos: a irregularidade. Em se tratando de Ford, então, a competição fica totalmente desequilibrada. O segmento fordiano, intitulado “The Civil War”, chama a atenção especialmente pela concisão e a economia de recursos expressivos. É de longe o segmento mais tocante, mais intenso e, salvo engano, o mais breve. Ford conta em aproximadamente 25 minutos a história de uma família destruída por conta da Guerra de Secessão. Pai e filho se alistam no exército do norte e partem separadamente para a Batalha de Shiloh. Quando o filho retorna, encontra os túmulos de seu pai, morto na guerra, e de sua mãe, que não suportara a tristeza da perda do marido. Mais uma vez Ford estabelece o conflito entre o dever e a vida familiar, com consequências trágicas. Os outros segmentos até que não são tão destituídos de interesse assim, e o filme como um todo tem uma premissa bastante interessante: acompanhar três gerações de uma família na saga de exploração do oeste americano, num período de 50 anos. Os demais segmentos, porém, são compridos demais, apresentam uma mise-en-scène meio preguiçosa, com excesso de diálogos para dizer o óbvio e fazer andar o enredo, abuso de decupagem careta campo/contracampo, que absolutamente não combina com o formato Cinerama da tela (2,89:1). O segmento dirigido por George Marshall (“The Railroad”) talvez seja o segundo mais interessante, contando a história da construção das grandes linhas ferroviárias e os conflitos com os índios habitantes das terras invadidas. Mas nada que se compare à grandiosidade de Ford.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Os Caça-Fantasmas 1 e 2 (Ghostbusters / Ghostbusters II, Ivan Reitman, Estados Unidos, 1984 / 1989)

Mais um (ou dois) fruto(s) da bela parceria entre Harold Ramis e Bill Murray. Revendo os dois filmes depois de tantos anos, me chamou a atenção o quanto eles têm tanta cara de filme B, aquele jeitão vagabundo, no bom sentido, mesmo com todo o orçamento de que certamente dispuseram. A grande figura é, como sempre, Bill Murray, com seus rompantes de exagero na interpretação. Mas Rick Moranis também tem seus momentos, particularmente na sequência da festa no primeiro filme e na do julgamento no segundo, em que faz as vezes de um advogado completamente inepto. Destaque também para a crítica ao comportamento negativo e estressado da população nova-iorquina, que serve de combustível para o rio de ectoplasma que flui no subsolo da cidade. O primeiro filme peca um pouco por gastar muito tempo na apresentação dos personagens e na criação do grupo dos caça-fantasmas e, por isso, o segundo é ligeiramente melhor, já que já conhecemos os personagens e podemos pular essa parte.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Achado Não É Roubado (Finders Keepers, Richard Lester, Estados Unidos, 1984)

Filme pouco comentado, mas engraçadíssimo do brilhante Richard Lester, mais conhecido pelos filmes rodados com os Beatles (“A Hard Day’s Night”, de 1964, e “Help!”, de 1966) ou os Superman II e III, de 1980 e 1983. Aqui Lester aproveita um roteiro esdrúxulo para criar uma comédia estritamente física repleta de absurdos. O enredo é tão bizarro que nem faz sentido tentar explicá-lo. O que interessa é que o protagonista está em fuga o tempo todo e as situações de trocas de identidades e os acontecimentos absurdos vão se encavalando de tal maneira que o que importa aqui unicamente é o caos. Jim Carrey faz uma ponta mais pro fim do filme, que não chega a chamar muita atenção, a não ser pelo fato de o vermos jovem, quando ainda não era uma celebridade.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Viagem do Balão Vermelho (Le Voyage du Ballon Rouge, Hou Hsiao-Hsien, França / Taiwan, 2007)

O cinema de Hou Hsiao-Hsien é um cinema sensorial (mesmo querendo, é difícil fugir do clichê). Luiz Carlos Oliveira Jr. comparou sua fruição à da música easy listening. E é bem isso. O cinema de Hou nos encanta pelo prazer dos sentidos. Não que o enredo não importe: nos identificamos com os personagens e nos interessamos por sua história, mas o prazer em assistir ao filme vai além disso. Passa pela câmera suave de Ping Bin Lee, que praticamente dança pela cena. Mas tampouco está só aí. O filme é uma homenagem ao belo “Le Ballon Rouge”, rodado em 1956 por Albert Lamorisse.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Quarto Homem (De Vierde Man / The Fourth Man, Paul Verhoeven, Holanda, 1983)

Estou precisando dar uma leve desintoxicada do cinema hollywoodiano, depois de tanto Ford e tanta comédia estadunidense dos anos 80. Aproveito para tentar preencher alguns de meus buracos cinematográficos, vendo mais coisa do Verhoeven, por exemplo, de quem ainda vi muito pouco, mas cujos filmes me impressionaram. Neste filme chama a atenção a criação de climas sinistros para um enredo assustador, que conta a história de uma viúva negra, que atrai os homens para em seguida matá-los. As referências às imagens católicas, envoltas em situações de sexo e violência, criam uma atmosfera um bocado carregada e terrível. Verhoeven cria aqui mais uma de suas figuras femininas fortíssimas, tão presentes em sua filmografia.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Terra Bruta (Two Rode Together, John Ford, Estados Unidos, 1961)

Ford retoma aqui parte do enredo de “Rastros de Ódio” (“The Searchers”, 1956), na figura de um grupo de caubóis incumbidos de resgatar uma série de indivíduos brancos raptados há anos pelos Comanches. Aqui, porém, o diretor elabora uma crítica mais pesada à maneira autoritária e egocêntrica com que a sociedade branca trata os resgatados, principalmente o jovem plenamente adaptado à cultura comanche. Ford demonstra como a sociedade civilizada, imbuída de valores bem nobres, destrói duplamente a vida desses indivíduos. Em primeiro lugar, o grupo de resgate desrespeita os raptados ao arrancá-los da sociedade comanche (no caso do jovem, explicitamente contra a sua vontade, no caso da moça, com total indiferença por parte dela). Em seguida, os resgatados, uma vez que não se conformam à expectativa que a sociedade branca tinha deles, são por ela rejeitados e tratados com violência (violência física, no caso do jovem, que termina por ser linchado e enforcado; violência simbólica no caso da moça, que é tratada pela sociedade mexeriqueira como uma figura exótica e impura, por ter coabitado com um índio). À moça só resta, como tantas vezes em Ford (vide os filmes em parceria com Will Rogers, ou o próprio “The Searchers”), fugir e tocar sua vida longe dali.