quinta-feira, 30 de junho de 2011

Terra Bruta (Two Rode Together, John Ford, Estados Unidos, 1961)

Ford retoma aqui parte do enredo de “Rastros de Ódio” (“The Searchers”, 1956), na figura de um grupo de caubóis incumbidos de resgatar uma série de indivíduos brancos raptados há anos pelos Comanches. Aqui, porém, o diretor elabora uma crítica mais pesada à maneira autoritária e egocêntrica com que a sociedade branca trata os resgatados, principalmente o jovem plenamente adaptado à cultura comanche. Ford demonstra como a sociedade civilizada, imbuída de valores bem nobres, destrói duplamente a vida desses indivíduos. Em primeiro lugar, o grupo de resgate desrespeita os raptados ao arrancá-los da sociedade comanche (no caso do jovem, explicitamente contra a sua vontade, no caso da moça, com total indiferença por parte dela). Em seguida, os resgatados, uma vez que não se conformam à expectativa que a sociedade branca tinha deles, são por ela rejeitados e tratados com violência (violência física, no caso do jovem, que termina por ser linchado e enforcado; violência simbólica no caso da moça, que é tratada pela sociedade mexeriqueira como uma figura exótica e impura, por ter coabitado com um índio). À moça só resta, como tantas vezes em Ford (vide os filmes em parceria com Will Rogers, ou o próprio “The Searchers”), fugir e tocar sua vida longe dali.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Nascimento/Maternidade (Tarachime, Naomi Kawase, Japão / França, 2006)

Desde o nascimento da minha primeira filha, no começo de 2010, e com o/a segundo/a filho/a a caminho, ando totalmente imerso no universo da gestação e do parto. Tenho sentido, nesse processo, falta de filmes decentes que abordem o assunto. A maior parte do que tenho visto se restringe a filmes estritamente informativos, sem qualquer preocupação formal, o que é bastante decepcionante se levamos em conta toda a carga emocional e poética envolvida nessa fase tão bonita da vida. E eis que me deparo recentemente com um belo curta do Artavazd Peleshian (Life / Kyanq, 1993) que retrata poeticamente uma mulher em trabalho de parto. Comecei a me animar, mas o filme ainda é um pouco abstrato demais. E então tive a felicidade de ver este lindo filme da Naomi Kawase, que teve recentemente uma bela mostra dedicada ao seu trabalho no CCBB. Aqui a diretora conta a história de sua relação com a tia-avó, Uno Kawase – que a adotou após a separação dos pais –, já perto da morte, diagnosticada com um câncer de mama. Mais ou menos na mesma época, Naomi engravidou e deu à luz seu filho, pouco antes da morte da mãe adotiva. Permeia o filme essa ideia de continuidade entre vida e morte, entre uma geração e outra. O seio que amamentou Naomi, dando-lhe a vida, é o mesmo que provoca a morte de Uno. No entanto, a família continua, no nascimento de seu filhinho. A câmera predominantemente em close-up se assemelha ao olhar de uma criança, com muita atenção aos detalhes. Por outro lado, temos ao mesmo tempo a sensação de intimidade familiar e de um certo desconforto com os detalhes do corpo em decomposição da mãe adotiva. A relação entre Naomi e Uno tem diversos momentos de ternura, mas tem também seus momentos de forte atrito, como em um dos diálogos do filme, em que a diretora briga com a mãe adotiva por um motivo que não entendemos muito bem. Mas, apesar desse momento ríspido, no fim o que predomina é a doçura, a alegria de fazer parte desse processo de vida.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Wagon Train: The Colter Craven Story (John Ford, Estados Unidos, 1960)

Episódio dirigido por Ford para a série “Wagon Train”, por sua vez inspirada em um filme anterior do diretor, “Wagon Máster” (1950). Carleton Young interpreta um médico alcoólatra, traumatizado pelo que viu durante a Guerra de Secessão, na qual muita gente morreu em suas mãos. Ao se juntar à caravana capitaneada por Ward Bond, o médico se vê obrigado a fazer uma cesariana, mas se nega, alegando que seus traumas o impediriam de realizar a cirurgia. Bond então conta a história de quando conheceu U. S. Grant, futuro herói nacional e presidente dos Estados Unidos, quando ainda era um Zé ninguém lutando contra o alcoolismo. É impressionante como Ford pinta um grande herói nacional do porte de Grant como um cara vulnerável, passível de ser dominado pelo vício e subjugado pelo pai. O filme acaba tendo um quê de história edificante e termina com um tom meio bobo alegre, mas a mão de Ford não deixa a coisa desandar demais e os momentos de crise do médico e a história de Grant são belíssimos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Audazes e Malditos (Sergeant Rutledge, John Ford, Estados Unidos, 1960)

Bela mistura de faroeste, filme de tribunal, suspense e noir, este filme conta a história do julgamento de um soldado negro, suspeito de estuprar e assassinar uma moça branca e seu pai. Como em “The Sun Shines Bright” (1953), Ford utiliza o enredo para criticar a sociedade hipócrita que descarrega todo seu ódio racial em cima do suspeito, naturalmente revelado como inocente ao fim, quando um homem branco respeitado confessa ser o autor. A estrutura de flashbacks dá um ritmo interessante ao filme, mas é um pouco frustrante que Ford não explore o caráter parcial dos relatos subjetivos das testemunhas, como parece que fará no início, quando o promotor interroga a personagem de Constance Towers. Destaque para a atmosfera de suspense, pouco usual para Ford, na sequência em que Towers desembarca na estação de trem deserta, e para as personagens cômicas do juiz, de sua esposa e do seu assistente.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Marcha de Heróis (The Horse Soldiers, John Ford, Estados Unidos, 1959)

Minha primeira impressão é a de que este é um filme menor de Ford, o que não quer dizer que não seja um belo filme (afinal, Ford é sempre Ford), dotado de momentos marcantes: a sequência em que o personagem de William Holden assiste o parto do enésimo filho de uma negra, motivo de embate entre o médico e o personagem racista de John Wayne; a batalha entre um exército de crianças sulistas e a tropa da União comandada por Wayne; a sequência em que Wayne se despede da personagem de Constance Towers, deixando para trás a mulher que ama, para cumprir seu dever militar (Wayne explode a ponte que atravessa, rompendo definitivamente a ligação com a mulher). O filme parece a princípio estar dessa vez do lado nortista na Guerra da Secessão (Ford normalmente se simpatiza com os sulistas em seus filmes, vide “Judge Priest”, “The Sun Shines Bright”), mas a guerra é problematizada, criticando-se os dois lados e exaltando-se a entrega ao dever de ambos exércitos.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Se Beber, Não Case! (The Hangover, Todd Phillips, Estados Unidos / Alemanha, 2009)

Todd Phillips é um cineasta de algum interesse, apesar da irregularidade tão grande de seus filmes. Aqui ele começa muito bem, e o filme tem bastante força no momento da ruptura narrativa que se dá entre o começo da noite de bebedeira do grupo de amigos e a manhã seguinte de ressaca, em que se cria um clima bastante bizarro por conta do quarto de hotel devassado. No entanto, essa força vai se perdendo ao longo do filme, na sanha de se explicar os mínimos detalhes da noite anterior ao longo de sua duração. Isso não impede o filme, porém, de ter belíssimos momentos e personagens marcantes, como o do japa afetado, interpretado por Ken Jeong, ou a hilária participação de Mike Tyson.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O Último Hurrah (The Last Hurrah, John Ford, Estados Unidos, 1958)

Ford critica aqui o poder da mídia televisiva e jornalística em criar personalidades da noite pro dia na figura de McCluskey, político completamente inepto, adversário do personagem de Spencer Tracy na eleição para prefeito, mas que é alçado à vitória por conta do apoio dos donos da mídia, que têm restrições pessoais ao atual ocupante do cargo, devido à sua origem humilde. John Carradine tem mais um papel de destaque como o maior rival do prefeito Skeffington, a quem costuma esculhambar em seu jornaleco. Ford mais uma vez aproveita o enredo, sobretudo, para fazer o elogio da honra dos derrotados, tema que lhe é tão caro. Como definiu Peter Bogdanovich em um de seus escritos sobre Ford, grande parte de seus filmes costuma ser sobre a “glória na derrota”. Pois aqui neste filme há um jornalista que usa quase exatamente essa expressão, ao relatar o comportamento de Skeffington após perder a eleição: “Há um ar de derrota aqui, mas que não foi partilhado pelo candidato. Só há uma forma de descrevê-lo: ele foi vitorioso na derrota”.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Get Crazy: Na Zorra do Rock (Get Crazy, Allan Arkush, Estados Unidos, 1983)

Divertidíssimo filme B realizado por Arkush depois do tropeço no infeliz “Heartbeeps” (1981). Arkush confirma seu talento para realizar belos musicais de rock n’ roll, como já havia deixado claro em seu filme mais famoso, “Rock n’ Roll High School” (1979), com os Ramones. Desta vez, ele conta a história de um proprietário de uma modesta casa de shows de rock, que prepara um mega evento de fim de ano, enquanto luta contra um megaempresário inescrupuloso que pretende comprar o imóvel para transformá-lo em um prédio comercial. A história tão batida é desenvolvida muito bem por Arkush, que usa de forma bastante engraçada o recurso de legendas para ressaltar os clichês da narrativa: por exemplo, “boy meets girl” na sequência em que o protagonista se apaixona por uma garota, ou “the bad guys” quando o vilão e sua trupe entram em cena. O que importa de fato, no entanto, não é a história, mas a música e as diversas piadas com a cena musical dos anos 80. Lou Reed faz uma ponta como um cantor folk inspirado em Bob Dylan, Malcolm McDowell encarna uma imitação hilária de Mick Jagger e o filme conta ainda com uma banda de blues, uma banda feminina de new wave com a participação especial do vocalista da banda punk Fear e um grupo hippie tipo Grateful Dead. Há ainda a bela participação especial de atores frequentes nos filmes de Arkush ou de seu parceiro Joe Dante, como Robert Picardo, Dick Miller, Paul Bartel e Mary Woronov. Em poucas palavras, o filme é uma pérola obscura e pouquíssimo comentada. Pena que a carreira de Arkush não tenha ido muito para a frente e ele tenha passado a dirigir apenas para a TV a partir do fim dos anos 80, porque o cara claramente tinha talento.