sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Paixão dos Fortes (My Darling Clementine, John Ford, Estados Unidos, 1946)


Tristíssimo este filme de Ford, como são em geral seus filmes do pós-guerra. Henry Fonda faz aqui um papel que prenuncia seu personagem de “Rio Grande” (1950), que chega a uma comunidade cagando regra e querendo ajustar tudo à sua maneira. No entanto, ao contrário do filme posterior, aqui Ford se simpatiza com ele, até porque os bandidos que ele persegue são bem mais odiáveis. No universo do filme, o amor é impossível. Wyatt Earp se apaixona por Clementine, que, por sua vez, busca levar o auto-destrutivo e alcoólatra Doc Holliday (interpretado magnificamente por Victor Mature) de volta pra casa. No fim, como se presume, todos terminam sozinhos, cada um seguindo seu caminho. Novamente Ford utiliza uma fotografia expressionista, de forte luz e sombra, ressaltada pela vastidão do Monument Valley, filmado aqui em grandes planos abertos que realçam a solidão dos personagens. O mítico tiroteio em OK Corral é precedido por uma bela sequência silenciosa em que os irmãos Earp se dirigem ao local e na qual o tempo parece se suspender.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

À Prova de Morte (Death Proof, Quentin Tarantino, Estados Unidos, 2007)



Há algo mais redundante que falar bem de Tarantino? Alguns até tentaram falar mal na época de “Jackie Brown” (1997), que continua, na verdade, sendo um de seus mais belos filmes. Mas o fato é que não dá pra fugir do óbvio: Tarantino é, de fato, foda! Outra obviedade: o filme de Tarantino é bem superior ao seu filme-irmão “Planet Terror”, de Robert Rodriguez (juntos, os filmes compõem o filme duplo “Grindhouse”, como lançado nos Estados Unidos). Rodriguez tem claramente algum talento e até que tenta, mas é muito irregular (seu curta “Bedhead”, de 1991, e seu longa “Once Upon a Time in Mexico”, de 2003, são, de fato, muito bons; ainda não vi “Machete”, mas, pelas reações, deve ser outra pérola; por outro lado, “Desperado”, de 1995, e “Sin City”, de 2005, são bem ruins) e, na seara em que os dois trabalham, Tarantino é mesmo imbatível. É sensacional a forma como o diretor constrói no espectador um sentimento de ódio em relação a Stuntman Mike na primeira parte do filme, para depois se regozijar na fantástica vingança das meninas na segunda parte. A sequência final da batalha entre os dois carros é o ponto alto do filme, em um feeling girl-power semelhante a filmes anteriores do diretor, como “Jackie Brown” e “Kill Bill” (2003/2004). A presença de Zoe Bell, dublê de Uma Thurman em “Kill Bill”, interpretando a si mesma como dublê real e uma das mentoras da vingança contra o dublê fake Kurt Russell, revela um desejo surpreendente (para Tarantino) de prevalência do real sobre o artifício, corroborada pelo discurso do próprio Stuntman Mike na primeira parte do filme, lamentando o atual uso indiscriminado de computação gráfica nos filmes, saudoso de um tempo em que as cenas de ação eram feitas na tora, por dublês.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ford em dois documentários de guerra



The Battle of Midway (John Ford, Estados Unidos, 1942)
December 7th (John Ford & Gregg Toland, Estados Unidos, 1943)


Tag Gallagher fala do período final da II Guerra Mundial como um período de transição na carreira de Ford. A partir dali, sua obra torna-se mais madura. De fato, a experiência de Ford na guerra foi uma puta oportunidade de exercitar o talento formal do diretor num gênero até então estranho para ele: o documentário. Os dois principais documentários rodados por Ford durante a guerra não poderiam ser mais discrepantes entre si na forma. “The Battle of Midway” é um registro real de uma batalha na qual Ford esteve presente, chegando a ferir o braço, ferida da qual nunca se recuperou totalmente. “December 7th”, por outro lado, é todo encenado, com muita filmagem feita em estúdio, reconstituindo o ataque japonês a Pearl Harbor, ocorrido dois anos antes. No entanto, as estratégias discursivas e o tom geral de propaganda dos dois filmes são bem semelhantes. Em “The Battle of Midway”, os soldados retratados são individualizados pela narração sentimental, que busca a identificação do espectador, dizendo num sotaque redneck coisas como: “Olha, esse é o Johnny, meu vizinho!” A estratégia de persuasão é forte e belissimamente utilizada por Ford. Em “December 7th”, o destaque para a sequência do enterro dos soldados mortos no ataque é bem típica de Ford, que gosta de dar especial atenção em seus filmes a rituais como danças festivas, enterros e paradas militares. Sobre a imagem de um túmulo com a bandeira americana, a narração fala sobre cada um dos soldados, dizendo seu nome, mostrando sua foto e apresentando seus pais em sua terra natal. O texto da narração é cheio de pérolas, como por exemplo no início do ataque, em “December 7th”: “At 07:55 AM hell broke loose. Man-made hell. Made in Japan”. A promessa de revide estadunidense no fim do filme (com a bíblica “quem matar pela espada, pela espada perecerá”) soa especialmente assustadora quando sabemos que, dois anos depois, os Estados Unidos atingiriam o Japão com duas bombas atômicas. Ambos os filmes, além de outro documentário de Ford sobre a Guerra da Coréia (“This Is Korea”, 1951), estão disponíveis para baixar gratuitamente no site Internet Archive.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Richard Pryor: Live in Concert (Jeff Margolis, Estados Unidos, 1979)



Registro de uma performance stand-up de Pryor. Como qualquer registro do gênero, algumas piadas envelhecem e não conseguimos captar todas as referências, muito ligadas à época. Mas a energia da performance do ator permanece intacta e é ela, enfim, o que interessa aqui. Pryor abusa de piadas politicamente incorretas, fazendo comentários que seriam considerados racistas em nossa época do politicamente correto. Há bastantes referências também à vida pessoal controversa do ator, seu uso de cocaína e seus enfrentamentos com a polícia.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Gigante (Adrián Biniez, Uruguai / Argentina / Alemanha / Espanha, 2009)


Biniez faz aqui uma bela releitura da comédia romântica, brincando com as convenções do gênero. A história é a de um segurança de supermercado que se apaixona por uma faxineira que também trabalha no local. O segurança passa a maior parte do filme observando a faxineira pelas câmeras de segurança ou perseguindo-a na rua depois do expediente. A cinematografia uruguaia ainda é bem incipiente, mas belos exemplos como esse ou os dos filmes de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll dão bastante esperança do surgimento de uma boa filmografia no país.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Rei e o Pássaro (Le Roi et l'Oiseau, Paul Grimault, França, 1980)



Classificado pela Sight & Sound como uma das 75 “hidden gems” da história do cinema, em uma lista interessantíssima que a revista publicou em 2007, este longa de animação é realmente uma pérola. O desenho conta a história fantástica de uma camponesa e de um limpador de chaminés, temas de quadros do palácio real, que se apaixonam e saem das molduras para fugirem do rei, também apaixonado pela camponesa. A estrutura vertical da cidade em que o palácio real se situa e que reflete a hierarquia e a opressão dos ricos e poderosos contra os pobres lembra bastante “Metropolis” (Fritz Lang, 1927).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Rei da Fuga (Le Roi de l'Évasion, Alain Guiraudie, França, 2009)


Há aqui uma sensação de vale-tudo da mise-en-scène que é bem benéfica à obra. O filme de Guiraudie exala um grande frescor, uma sensação de liberdade que, de certa forma, reflete o desejo de liberdade e desprendimento do protagonista. Situações inusitadas e aparições inesperadas de personagens são recorrentes. O enredo trata de um viado quarentão obeso que se apaixona por uma menina de 16 anos, interpretada por Hafsia Herzi, cuja beleza já havia chamado atenção em “La Graine et le Mullet” (Abdellatif Kechiche, 2007). Como assinala o título, o protagonista passa grande parte do filme fugindo: primeiro do pai da moça e da polícia e por fim da própria moça. O filme vai, assim, progressivamente adquirindo um clima absurdo de filme de aventura, que se soma ao tom cômico do início.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Retorno da Pantera Cor-de-Rosa (The Return of the Pink Panther, Blake Edwards, Inglaterra, 1975)


Terceiro filme da série com Peter Sellers, aqui o humor físico é intensificado em relação aos dois primeiros “The Pink Panther” (1963) e “A Shot in the Dark” (1964). Várias das piadas recorrentes, como a zoação com o sotaque de Clouseau que ninguém entende ou as lutas com o empregado chinês (chamado por Clouseau política-incorretamente de “homem amarelo”), funcionam muito bem, em grande parte devido à interpretação genial de Sellers. A lógica que rege o filme é a do desenho animado (sucessão de gags envolvendo tiros, carros sem freio, explosões, corpos queimados sem grandes conseqüências). Há inclusive uma referência-piscada-de-olho aos desenhos da Warner: o caminhão que Clouseau dirige sob o disfarce de limpador de piscinas é da empresa Acme Pool Services. Destaca-se o belo uso cômico da profundidade de campo na sequência em que Fat Man persegue Charles Litton. Os créditos, como em todos os filmes da série, são uma pérola à parte.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Longa Viagem de Volta (The Long Voyage Home, John Ford, Estados Unidos, 1940)



Mais uma obra-prima de Ford. De 1933 a 1940, Ford realizou pelo menos 8 delas, num ritmo impressionante (média de uma por ano). Este é um filme em que aquela sensação de filme “de galera” de que falei em outro post é bem forte. Estão aqui os habitués John Wayne, Ward Bond e Jack Pennick (este último fez nada menos que 41 filmes com Ford!) como parte da tripulação de um navio que transporta explosivos para a Inglaterra durante a II Guerra Mundial, mas só pensa no dia em que poderá sossegar em terra firme. O tom é de profunda melancolia e a sensação é de que a busca pelo sossego é inatingível para eles, como a terra almejada pelos guerreiros do conto “Carcassone”, de Lord Dunsany. Ford parece fazer aqui um filme profundamente pessoal, refletindo as inquietações de um homem perturbado, em busca de uma utópica paz de espírito. A fotografia de Gregg Toland, um ano antes do seu trabalho mais célebre em “Citizen Kane” (Orson Welles), é magnífica e retoma a influência do expressionismo alemão no trabalho do diretor, lembrando em muitos momentos “The Informer”, principalmente a parte final, em terra. Destaca-se a presença cômica dos irmãos Barry Fitzgerald e Arthur Shields.